A mala já está feita de véspera. A primeira rotina da estrada é a mala. Saber o que levamos, o que vamos querer vestir nessa segunda pele que é o palco. Decisões, decisões.
Depois, acorda-se, toma-se o pequeno-almoço, o duche, guardam-se mais algumas coisas na mala, a maquilhagem, os anéis, colares e brincos, a guitarra.
Espera-se que toque o telefone: é o Manchinha a dizer que já chegou. Voo para a carrinha que nos vai levar ao destino. Escolho sempre o mesmo lugar: lá atrás, junto à janela da direita. É o meu território demarcado. Todos temos o nosso lugar cativo na carrinha.
Monto a tenda ao meu lado: carteira, casaco, livro. Durmo. Conversamos, rimos e esparvoamos.
Chegados ao destino, cada um trata de montar o seu outro lugar cativo: o do palco.
O Alex monta a bateria, o Luís Peixoto trata do cavaquinho, bouzouki e bandolim, o Zé, do contrabaixo e do baixo e o Luís Figueiredo, dos teclados.
Eu vou directa ao meu camarim. Não gosto de ir logo ao palco. Não sei porquê, mas não gosto. Só depois de pousar as tralhas é que vou espreitar.
Beijo a equipa técnica, que já chegou há umas horas para montar tudo a tempo do ensaio de som e mandamo-nos à música. Ajustamos a monição, o som de frente, as luzes.
Logo depois, vamos jantar. Como mais à pressa do que o resto do grupo, porque tenho de ir fazer a maquilhagem e passar as letras antes de começar o concerto. Preciso de uma hora para fazer tudo com a calma e a ponderação precisas.
Aqueço a voz, tento abafar os nervos. Há sempre nervos envolvidos nisto de entrar em palco. E ainda bem.
Abraço os nervos, juntamente com os primeiros acordes da canção e avanço. Ouço as primeiras palmas, um voto de confiança de quem lá está a ouvir-me e sorrio.
O concerto começa e nas próximas duas horas eu sei que vou ser feliz.
No final, falo com o público, desmaquilho-me, vou para o hotel e durmo. Amanhã, repete-se tudo.
Vivo para aquelas duas horas de liberdade e felicidade, em que largo a bagagem que a vida me pôs nas mãos e fico leve. Leve como uma pena.
Próxima paragem: Portalegre e Beja. Alentejo, vamos ser felizes juntos?
AB